sábado, 18 de setembro de 2021

A Lenda Lee Scratch Perry

 


O produtor, cantor e descobridor de Bob Marley, essencial no nascimento deste gênero musical

Tudo que sabemos sobre Lee Scratch Perry deve ser consumido com precaução: sua capacidade para a automitificação e ofuscamento confundiu até os jamaicanos mais fantasiosos. Garantia que, trabalhando no conserto de estradas, o som das pedras se chocando deu a inspiração de que teria um futuro na música o levou para a capital da ilha, Kingston (em sua narração, “king-stone”, pedra do rei”).

De tamanho pequeno, Perry sobreviveu ao mundo competitivo dos sound systems (discotecas móveis) graças às suas danças desequilibradas e à sua inventividade verbal. Inevitavelmente, terminou colaborando com Dick Coxsone Dodd, Joe Gibbs e outros produtores. Suas músicas iam desde o orgulho das proezas sexuais a demandas iradas por justiça social, passando por peças inspiradas no western spaghetti (faroeste italiano).

Os produtores dividiam o peixe no negócio musical jamaicano e exploravam sem piedade os seus empregados. Perry internalizou sua falta de pensamento ético e se converteu em uma máquina de sucesso, com uma mutante banda de músicos, os Upsetters e, a partir de 1974, com o estúdio Black Ark como instrumento principal de sua criatividade. Intuitivamente, apreciou os recursos do console de mixagem, como inserir loops e recorrer a efeitos sonoros. Isso ocasionou o desenvolvimento do dub, técnica que desconstruía gravações já conhecidas em formas fantasiosas, às vezes eliminando totalmente as partes vocais e acrescentando seus próprios delírios. Alguns experimentos que deslumbraram muitos pesquisadores europeus, de Brian Eno a John Lydon.

Lee 'Scratch' Perry em um concerto de Londres em janeiro de 1984.
Lee 'Scratch' Perry em um concerto de Londres em janeiro de 1984.PHOTO COPYRIGHT DAVID CORIO / REDFERNS

Junto aos alucinados discos de dub, Perry faturou clássicos do reggae como Police and Thieves (Junior Murvin), I Shall Be Released (The Heptones) e Chase the Devil (Max Romeo). Também colheu muitas das primeiras joias de Bob Marley e seus companheiros Peter Tosh e Bunny Livingstone; como era típico, vendeu as citas a uma discografia inglesa, sem avisar (e nem pagar) aos Wailers. Reclamar não serviria de nada: Perry estava sempre rodeado de

Por volta de 1980, o estúdio queimou. Perry sempre se culpou pelo incêndio de Black Ark, necessário por razões místicas; não faltam músicos que argumentam que foi um acidente, fruto do descontrole geral, que facilitou uma fuga oportunda. Lee não era uma testemunha confiável apenas por confirmar: depois de um desentendimento com Chris Blackwell, antigo simpatizante e editor de muitas de suas produções, ele lançou uma canção brutal em que afirmava que o fundador do selo Island fazia magia negra com seus artistas. Artistas temperamentais: Lee e Blackwell terminariam se reconciliando.

Atenção: não vale a pena repudir Perry como um tolo. Ao contrário: depois de abandonar a Jamaica nos anos 80, soube se vender como um gênio bizarro para jornalistas e promotores. Ele tocou e gravou de maneira profusa, frequentemente arrastado para o estúdio por discípulos como Adrian Sherwood e Mad Professor. Flexível, se acomodou às exigências dos artistas de hip hop como os Beastie Boys; também incursou em gêneros como o jungle e o dubstep.

Viveu nos Estados Unidos e em diferentes países europeus antes de estabelecer raízes em Zurique e criar uma nova família com uma famosa madame, Mireille Ruegg, depois de uma boda seguindo o ritual Hare Krishna; Perry era também eclético em suas crenças espirituais. Na Espanha, foi visto com frequência; se lhe caía bem, te regalava um par de pedrinhas polidas e pedia que escutasse com atenção; “têm alma”, insistia.

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